Exploração de petróleo no pós-200 milhas pode ferir direito internacional, alerta pesquisador
A decisão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de licitar três blocos localizados na bacia de Santos para exploração de gás e petróleo além das 200 milhas náuticas, em regiões que ainda são pleiteadas pelo Brasil junto à ONU, e a ausência de estudos conclusivos sobre riscos de acidente podem levar o País a ferir tratados e acordos internacionais.
A Agência não avaliou os riscos ambientais das áreas incluídas na 17ª Rodada de Licitações de Blocos Para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, marcada para acontecer em 7 de outubro.
“A política ambiental brasileira está indo contra o direito internacional e a 17ª rodada é um exemplo claro de “passar a boiada”, mudando as regras das licitações“, avalia o doutor em geografia Luciano A. Henning, pesquisador do Observatório do Petróleo e Gás.
Ele se refere à manifestação do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante reunião ministerial ocorrida em 23 de abril de 2020. O Ministro sugeriu que o governo aproveite a atenção da sociedade e da imprensa sobre a pandemia de Covid-19 para fazer um rebaixamento geral de padrões ambientais no Brasil.
Segundo Luciano, não há estudos a respeito dos blocos a serem leiloados para exploração na bacia de Pelotas. “Mas, em outros blocos mais abaixo, indo em direção ao Uruguai, já se sabe que a corrente marítima pode fazer algo semelhante ao que aconteceu no Nordeste. Esse petróleo pode chegar até a costa uruguaia em caso de acidente com vazamento”.
O alerta é feito no dia de hoje, quando várias entidades ambientais (incluindo o Instituto Arayara) fazem uma greve pelo clima e contra a exploração e queima de combustíveis fosseis cuja queima produz fases de efeito estufa.
A seguir, a entrevista completa.
O Sr. participou da audiência pública que a ANP realizou em março para debater a realização da 17ª rodada de licitações de blocos para explorar petróleo e gás na costa brasileira e levantou uma série de dúvidas sobre essa venda.
Antes de falar dos eventuais impactos que seriam causados, é necessário recordar aquela fatídica reunião ministerial em abril de 2020 em que o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles defendeu “passar a boiada” e mudar as regras (ambientais), enquanto a atenção da mídia e da sociedade para a Covid-19.
A 17ª rodada é um exemplo claro de “passar a boiada”, mudando as regras das licitações.
É o caso da extinção do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás, que era responsável por realizar Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares e assim dar maior segurança e previsibilidade ao processo de licenciamento ambiental, seguindo as melhores práticas internacionais.
Coisa que não aconteceu!
Essas avaliações ambientais podem ser substituídas pela manifestação conjunta emitida pelos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, que deveria se apoiar em notas técnicas produzidas pelo ICMBio e pelo Ibama. Entretanto, a manifestação conjunta dos ministérios não leva em conta essas notas técnicas.
Por exemplo, a nota técnica do ICMBio destaca o alto risco de inclusão dos blocos na Bacia Potiguar. A Nota Técnica do Ibama foi encaminhada à presidência do órgão, indicando que todas estas avaliações deverão ser feitas no momento do licenciamento.
Quando a gente lê as Notas fica claro o constrangimento dos técnicos, que ficaram reféns dessa atual política de estado, de “passar a boiada”!
O parecer da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Marinhos e Costeiros do IBAMA também foi totalmente desconsiderada. A substituição das avaliações ambientais por um parecer conjunto dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, com referência a Bacia de Pelotas, deixa a ANP inteiramente à vontade para executar a venda dos blocos.
A gente pode comparar a situação dos técnicos com uma pessoa que tem a arma apontada contra a cabeça e que precisa dizer no telefone que está tudo bem.
Há também os riscos inerentes à própria atividade de exploração de petróleo no mar.
Basicamente, são os perigos da atividade sísmica, de colisão com embarcações, de introdução de espécies exóticas invasoras, degradação e perda de hábitat e outros. Foram identificadas 89 espécies ameaçadas, que tem suas áreas de ocorrência sobrepostas aos blocos exploratórios,sendo 32% criticamente em perigo, 20% em perigo e 48% vulneráveis, de acordo com a Nota Técnica 2020:12 do ICMBio.
A conclusão correta seria a exclusão de todas essas áreas do leilão.
A apresentação que o Sr. fez à ANP, e que ainda não se manifestou a respeito, trata de problemas internacionais que a exploração de alguns desses blocos pode causar. Que problemas são esses?
Isso diz respeito aos três blocos sendo oferecidos na Bacia de Santos. Eles ficam em águas e áreas internacionais, áreas inclusive que o Brasil pleiteia na ONU. São as áreas pós-200 milhas náuticas.
Como o Brasil vai pleitear depois essas áreas, sendo que o país as está colocando em risco?! Isso envolve a biodiversidade internacional.
A política ambiental brasileira está indo contra o direito internacional
Esse governo coloca em risco o que o País demorou anos para conseguir e que ainda está sendo avaliado.
Outra questão internacional diz respeito ao Uruguai. Não há estudos a respeito dos blocos da bacia de Pelotas, mas em outros blocos mais abaixo, indo em direção ao Uruguai, a corrente marítima pode fazer algo semelhante ao que aconteceu no Nordeste. Esse petróleo pode chegar até a costa uruguaia em caso de acidente com vazamento.
Mas, a ANP não levou em conta essa possibilidade?
Pelas regras do leilão, isso será verificado pela própria empresa vencedora, que será responsável por fazer os estudos de impacto ambiental do projeto que ela mesma desenvolverá.
Mas, você acha que algum estudo de impacto feito pela própria empresa dirá que ela não pode tocar o projeto adiante?!
Claro que isso já aconteceu, mas a ampla maioria desses estudos indica que se tem de encontrar uma maneira de tocar o projeto, porque a área já terá sido comprada. O interesse que prevalecerá será o dos acionistas das empresas, e não o interesse da nação nem o da biodiversidade, nem o da sociedade brasileira.
A Bacia de Potiguar é uma área muito complexa, com atividade de pesca, tanto artesanal quanto industrial. Essa complexidade se deve às correntes, à biodiversidade.
Qualquer impacto ou poluição que ocorra pode ser irreversível – e isso quem fala são essas notas técnicas.
Isso já foi visto naquele vazamento de petróleo em 2019 e 2020 no Nordeste, que causou um impacto econômico enorme e o governo não teve qualquer plano para conter.
Como se vai vender áreas sobre as quais não existem estudos?